O Livro dos Séculos

Por Pastor Eliy Barbosa
12 de novembro de 2009

“Eu sei, ó Senhor, que não é do homem o seu caminho nem do homem que caminha o dirigir os seus passos”. (Jeremias 10.23)

A Bíblia é um livro de revelação e infabilidade total, por isso é a autoridade exclusiva sobre tudo quanto o homem necessita saber em relação a Deus (ações, pensamentos e vontades) e de Seu propósito redentor (Jo 3.16).

Foi A. H. Strong quem afirmou que “a Bíblia é a regra suficiente de fé e conduta”. Mais do que isto: sem a Bíblia não teríamos condições de conhecer Deus.

Antes de Cristo os homens somente tinham acesso ao conhecimento natural, que obviamente era adquirido ao se observar as coisas criadas. Poucos, fora da nação israelita, tinham acesso à Palavra de Deus. Mas depois de Cristo, todos os homens podem ter acesso à um conhecimento transcendental.

O irlandês João Scoto Erígena (800 - ?) em sua obra “Commentarium in Joannem”, compara o conhecimento natural – adquirido na fonte da razão – com o poço de Jacó e seu esforço para tomar a água (Jo 4.3-13). Já o conhecimento transcendental – adquirido na fonte da fé – é a água oferecida por Cristo. Quem a beber nunca mais terá sede.

A Bíblia não é uma “fraude piedosa”, com uma fórmula simplista para convencer o homem de uma suposta salvação; nem um “apanhado de bons pensamentos”, o qual pode tornar o homem um ser moralmente melhor. Pois os padrões éticos e morais de Deus, expressos na Bíblia, são superiores as vulgaridades deste mundo.

Nem tão pouco um manual sistemático de leis, rituais, doutrinas ou respostas. Ela apresenta as verdades divinas nos contextos históricos e ordinários da vida de um povo. Mostrando os sucessos quando um indivíduo ou uma nação passa a agir em harmonia com a vontade de Deus.

Bem como os exemplos individuais e coletivos de derrotadas e humilhações por confiarem somente em suas obras e suas posses (Jr 48.7).

Ao criar o homem (Gn 2.7), Deus por bondade o visitava na “viração do dia” (Gn 3.8), ocasião na qual conversava com ele. Mas o pecado mudou este relacionamento entre Deus e o homem (Is 59.2). Expulso do Paraíso (Gn 3.24), o homem não pode mais desfrutar o privilégio de ouvir a voz de Deus.

Mesmo assim Deus bondosamente continuou falando e revelando-se muitas vezes e de várias maneiras (Hb 1.1). Esta progressiva revelação de Deus não ocorreu para destacar nossa ignorância, mas para nos fazer entender que é possível conhecê-Lo (Os 6.3). E ter diariamente uma nova experiência em que possa sentir a Sua presença.

Deus não se fechou em si mesmo, taciturno, impenetrável. Antes diminuiu sua grandiosidade para não somente falar com ou através do homem, mas para falar como homem.

Paulo sintetiza esta procura de Deus pelo homem ao afirmar que Cristo Jesus “sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz” (Fp 2.6-8).


Literalmente a Bíblia desce de Deus ao homem, a fim de subir o homem até Deus. Por isso ela faz maravilhas nos corações dos homens.

Apesar da evidente impossibilidade em exprimir Deus através de palavras (pois não conhecemos Sua essência), é possível conhecê-Lo através de palavras. Por isso, mesmo transcendendo em tudo o conhecimento humano, Deus revelou-se através da Bíblia.

A natureza íntima de Deus permanece incompreensível ao nosso entendimento essencialmente limitado ao ser finito. Assim os termos antropomórficos, quando aplicados a Deus, são limitados pela conceituação e percepção.

Mas não podemos ser agnósticos e negar totalmente a capacidade do homem em conhecer Deus. Os que assim crêem, confundem o pensamento absoluto e o conhecimento de Deus. Pois através das Escrituras nos é permitido chegar a um conceito verdadeiro sobre Deus.

Esta é a grande diferença entre a Bíblia e a Ciência: a ciência não revela Deus, mas esconde Deus evidenciando apenas sua criação. Enquanto a Bíblia se relaciona com Deus, muitas vezes o pensamento científico se opõe a ela. E é exatamente essa a beleza incomparável da Bíblia: o seu poder de nos aproximar de Deus (Jo 5.39,46).

Mas o que nos concede o direito de classificar como superstições, mitos ou mentiras os escritos e as crenças das demais religiões?

São múltiplas as diferenças que distinguem a Bíblia de qualquer outro livro. A principal diferença é justamente a inspiração divina encontrada exclusivamente na Bíblia, sendo superior à consciência e à razão.

Essa inspiração, não é uma inspiração natural, que possa ser confundida com “esclarecimento” ou “iluminação”, pois conforme II Tm 3.16, 17 a Bíblia emana de Deus: “Toda a Escritura é dada pelo sopro de Deus”.

Ou seja, o Espírito Santo não serviu apenas como catalisador ou amplificador das percepções religiosas de cada escritor. Por isso a Bíblia é chamada de Palavra de Deus. E se a declaração de II Timóteo for correta e verdadeira, então se torna inimaginável a sabedoria que Bíblia contém.

A Bíblia não deve ser vista como fruto de uma ação mecânica (simplesmente ditada por Deus) ou uma ação dinâmica (confiável mas sujeita a erros). Pois ela não é o registro da Palavra de Deus, ela é a própria Palavra de Deus para hoje.

Deus usou os mais de 40 escritores de forma plena, fazendo com que suas faculdades (dons, educação, vocabulário e estilo) tomassem parte nos registros das mensagens (Lc 1.1-4). Seus escritores eram homens de profissões, caráters e de épocas diferentes que não se tornaram meros autores ou teólogos que simplesmente refletiam as relações sociais e a cultura vigente. Pois em cada palavra está a inspiração plena e verbal do Espírito Santo.

Cada escritor bíblico escreveu baseado em suas experiências com Deus (Ex 4.1-17; Sl 32; Jr 12; At 1.1-3; I Co 1.3-11; II Pe 1.14-18). Eles superaram o subjetivismo pessoal, pois não registraram apenas os sentimentos individuais em relação a Deus; mas escreviam motivados por Deus.

Era mais que uma aptidão, mérito ou intuição natural. Cada escritor transmitia o que de Deus havia recebido (I Co 11.23) – uma cooperação vital e consecutiva entre ele e o Espírito Santo.

A extensão revelada e a forma desta revelação foram determinadas pelo próprio Deus. Pois até mesmo para Deus existe “tempo de falar e de calar” (Ec 7.3). Em alguns casos houve uma revelação externa (Deus falou com estes homens em voz audível Am 3.8; nuvem e fogo) e com outros se revelou internamente (através de visões Jl 2.28; sonhos). Veja Ex 13.21-22; Nm 12.6; Dn 9.21-22; At 9.3-4.

Cada escritor tinha a assombrosa e ímpar responsabilidade de falar em nome de Deus. Mas em todos os casos foi excluída a influência do pecado (II Pe 1.19-21): pois a perfeição absoluta de Deus exclui toda e qualquer imperfeição.

Na Bíblia não se encontra espaço para discrepância, contradição, inexatidão ou inconsistência. Deus é a própria garantia de tudo quanto foi escrito, pois Ele não pode enganar-se ou enganar.

Na Bíblia existem livros de história, biografia, ética e poesia, escritos num período aproximado de 1500 anos – e todos possuem mensagens com lições objetivas. Apesar desta diversidade, os 66 livros que a formam apresentam uma harmonia e unidade incrível, formando um único livro.

Essa harmonia e unidade foi possível pois o que contém estes livros é o uniforme e progressivo pensamento de Deus, que revelam Sua personalidade. Mesmo que a Bíblia fosse composta por inúmeros simbolismos, transmitidos de geração para geração, ela só poderia ter surgido de fenômenos de percepção comum, conseqüentemente objetivo.

A negação da origem divina da Bíblia sempre apareceu em todas as épocas com maior ou menor intensidade (Ml 3.14-15).

Existe um prazer doentio, uma vitória ilusória e uma explícita derrota em querer contradizer a Bíblia. Neste mundo não existe uma astúcia capaz de silenciar a Palavra de Deus. Para muitos, ouvir falar da Bíblia como sendo a Palavra de Deus, pode soar como orgulho, vaidade ou pretensão.

Entretanto, deve-se notar que a Bíblia foi revolucionária e influente no desenvolvimento do mundo ocidental. É nítida sua “missão civilizadora” na vida social e cultural em todas as épocas.

Ela sempre serviu mais como motivação para as atividades do homem no mundo, do que como fonte de alienação. Os feitos artísticos mais imponentes da história (literatura, arquitetura, pintura e música) foram inspirados pela Bíblia.

E os que negam sua origem divina, estão apoiados no fato de não entenderem o que está escrito (Mt 22.29). Geralmente os chamados leigos, tendem a desanimar quando lêem a Bíblia pela primeira vez. Seus textos são longos, a linguagem muitas vezes poética e as traduções clássicas. Isso faz com que as pessoas ignorem o potencial da Palavra de Deus.

A maior parte dos erros está na tentativa de interpretar as palavras da Bíblia como se tivessem sido escritas em nossa época moderna, para pessoas da língua portuguesa e com o contexto deste século. Isto ocorre sempre em função de se chegar aos extremos em tal interpretação: espiritualizar ou materializar.

Talvez o maior erro seja a negação do aspecto sobrenatural contido na Bíblia. Todos os métodos de interpretação ligados às críticas histórica e literária da Bíblia – derivadas da Alta e Baixa Crítica - acabam por atacar a Palavra de Deus, vendo-a conforme o querer particular, e não sob a óptica da unidade inspirada por Deus.

Os livros da Bíblia foram escritos visando satisfazer uma necessidade contemporânea. Ao olhar a Palavra de Deus, deve-se observar a nitidez da Teologia bíblica e exegética que enfatiza que a Verdade e a Revelação possuem uma mensagem peculiar para cada época e seu povo.

Para entender esta Verdade e Revelação é preciso encaixá-los no quadro cronológico, histórico e geográfico em que foi escrita. Mesmo as biografias dos personagens bíblicos só podem ser compreendidas no contexto da própria Bíblia. O mundo ocidental teve fácil acesso a Bíblia, porém poucos puderam ir aos países do Oriente e examinar o clima, os costumes e povos, para entender o seu significado real.

Para Baruch Spinoza (1632-1677) quando lemos a Bíblia é necessário considerá-la, exclusivamente, um produto de sua época. Spinoza contestava o fato de que cada palavra da Bíblia fosse inspirada. Mas é justamente a inspiração do Espírito Santo que permitiu a unidade da Bíblia e sua aplicação teológica a todas épocas, culturas e situações.

Realmente a Bíblia está ligada à uma série de fatos históricos, mas seu conteúdo transcende em muito a situação histórica em que foi escrita. A mensagem de Deus para hoje, contém a mesma Verdade dos dias de Moisés, de Isaías...

E esse é o papel que cabe ao teólogo: ouvir o que o Espírito Santo dizia no contexto bíblico original.

Mas como saber se o que está escrito é verdade? É possível buscar em várias especialidades do conhecimento humano (história, lingüística, geografia e arqueologia) indícios da autenticidade do texto. Apesar disto, outra gloriosa diferença com os demais livros, é que as Escrituras (notavelmente o Novo Testamento) não estão simplesmente dominadas pelo espírito de uma época. A maioria dos livros sobre auto-ajuda fica obsoleta em poucos anos.

Mas o tempo não exerce nenhuma influência sobre a Bíblia (Mc 13.31), pois quase 2000 anos já se passaram desde que as últimas palavras da Bíblia foram escritas. O próprio Jesus aprovou (Mc 7.13), leu (Lc 4.17), ensinou (Lc 24.25-27) e cumpriu (MT 5.17) as Escrituras.

Enquanto isso, na ciência, muitas coisas consideradas verdades foram reavaliadas e mesmo desmentidas. A maioria das descobertas da ciência é acompanhada por uma obsolência programada. Porém a própria Bíblia afirma que passará o céu e a terra, mas a Palavra de Deus permanece para sempre (Mc 13.31). Nada na Bíblia, por mais obscuro ou pitoresco que possa parecer, pode se anulado (Jô 10.34-35).

O estudo diário do texto bíblico tem algum valor como exercício religioso, pois se pode simplesmente lê-la e achá-la interessante e proveitosa (Sl 119.130). Basta ver a Bíblia como um objeto de conhecimento ou um meio de conhecimento. Mas será inútil se a Bíblia não se adaptar as necessidades pessoais.

Isto não quer dizer que se deva manipular a Palavra de Deus, conforme a ideologia do momento histórico ou da necessidade social. Pois quem não crê é incapaz de viver a Verdade apresentada pela Bíblia, e quem não vive a Verdade, não está apto para compreendê-la.

Assim a Bíblia, que é um excelente meio, transforma-se em um fim em si mesmo. Mas a sua leitura não é garantia de salvação instantânea ou automática para ninguém.

É necessário ir além do simples conhecimento dos ensinos bíblicos. Pois com a lógica podemos conceituar qualquer coisa, mas não vivenciar. Deve-se conhecer seu Autor (Lc 2.27, 45; At 16.14), pois somente Ele nos ajudará a descobrir os tesouros mais preciosos de Sua Palavra (I Co 2.14).

Nada nela é supérfluo, pois a consistência e exatidão do texto bíblico tornam toda doutrina indispensável: “Tudo o que foi escrito no passado, foi escrito para ensinar de forma que, por meio da perseverança, mantenhamos a esperança”. Por isso a Bíblia é a autoridade final e suprema (Js 1.8).

É loucura alguém pretender compreender a Palavra de Deus, sem se identificar com Seu autor. A meditação na Palavra de Deus acende em nosso íntimo uma chama (Sl 39.3), que ultrapassa todas a filosofias e conceitos de vida: nos transformando de passivos ouvintes sem memória, para ativos obreiros de Deus (Tg 1.25).

Mas se ao ler a Bíblia, alguém conseguir ter pensamentos verdadeiros sobre Deus, irá alcançar mais do que jamais imaginou (Jo 10.41).



Trecho do livro "O Pai da Sabedoria", primeiro livro da série Bereshit, do Pastor Eliy  Barbosa

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